domingo, 24 de julho de 2016

Aquele Último Abraço

Sugestão de título - Cláudia Porto
Autoria do texto - Marilia Bavaresco


Dormia no ônibus, com a cara colada no vidro, quando teve um sobressalto. Estava quase chegando ao seu destino.
Ajeitou-se no banco. Os olhos doíam. Chorara muito, silenciosa e escondida do passageiro ao lado antes de ter pego no sono.
As lembranças eram muito fortes e a dor de pensar que a partir de agora nada seria a mesma coisa, fazia a solidão dos últimos tempos se tornar mais opressiva ainda.
Lembrava da última vez que estivera visitando o pai, no interior do estado. Havia alguns anos que morava na capital e desde que mudara, só podia ver os pais eventualmente poucos finais de semana por ano.
Porém, com o falecimento da mãe dois anos antes e a doença de seu pai, ela passou a visitá-lo regularmente nos finais de semana já que ele recusara veementemente se mudar para a cidade grande. 
O ônibus da sexta-feira à noite demorava três horas e meia para chegar na pequena cidade. E o ônibus da volta no domingo, chegava quase meia-noite na capital. Assim, passava a semana trabalhando e estudando, para nos finais de semana fazer companhia ao seu querido e amado pai, quando a pessoa que era paga para ajudá-lo durante a semana tinha a merecida folga.
Porém, nas últimas vezes tinha percebido melancolia e desânimo nos olhos e no jeito do seu velho.
Ele tinha se esforçado para se manter bem depois que a mulher partiu. Tudo estava tranquilo até a notícia do problema sério do coração. O velho homem emagreceu, a altivez dos ombros já não mais existia e ele parecia ter diminuído inclusive de tamanho.
A rotina exigia que seu pai evitasse esforços, tomasse os remédios regularmente, fizesse exames periódicos, coisas que ele detestava e o deixavam muito chateado. Não gostava de dar trabalho. Muito menos depender dos outros. Ter uma pessoa estranha cuidando dele também o irritava.
No último domingo, sentado na beira do leito, chamou-a. Pediu que ficasse ali com ele um pouco, pegou a mão da filha e assim permaneceram algum tempo.
Intuitivamente ela sabia que ele estava tentando dizer algo. Abraçou o pai. Abraçou com tanto amor que foi capaz de sentir o cheiro da loção pós barba que ele usava quando era novo, lembrou de todas as vezes que feliz ele andava pela casa com ela nos ombros. Também sentiu a vertigem de quando iam para o litoral os três através das estradas sinuosas descendo a serra. Sentiu o aconchego e a segurança que só o abraço de um pai amoroso pode proporcionar, a certeza de que ele estaria para sempre protegendo a sua pequena menina... e foi na eternidade daquele último abraço que ela sentiu uma saudade desesperada, uma vontade de abrir os olhos e acordar muitos anos atrás, um medo incomensurável do que iria ser dali em diante. Ainda abraçados, os dois choraram. E esta foi a última vez que estiveram nos braços um do outro: pai e filha. 
Agora, voltando no meio da semana para ajudar nos atos fúnebres de seu amado pai, tinha certeza que aquela cena tinha sido uma despedida, e mesmo que não conseguissem traduzir, sabiam que aquele tinha sido o último e o mais importante de todos os abraços.

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