quarta-feira, 31 de agosto de 2016

A Mariposa e a Penúria

Título sugerido por Pablo Klein
Texto escrito por Marilia Bavaresco

Jorge estava inquieto. Enfim chegara o dia da audição e ele estava à beira do
pânico. 
Tanto estudo, tanto treino, tantas coisas deixadas para trás em detrimento de um sonho... será que valeria a pena? 
Quando chamaram seu nome, ele respirou fundo e caminhou em direção ao palco. Estava tremendo. Os jurados estavam sentados logo na primeira fileira do teatro, um metro abaixo do nível dele. 
O professor de música da universidade federal, pediu para ele se apresentar e dizer o motivo pelo qual estava buscando a vaga de cantor solista na nova peça que seria apresentada pela instituição.
Timidamente Jorge se apresentou, disse que fazia Letras e Filosofia na universidade, mas que seu grande desejo era cantar. 
Um segundo jurado perguntou o que ele cantaria. Ele disse que interpretaria o sucesso "A Mariposa e a Penúria" do famoso músico Pablo Klein, de quem era fã inveterado.
Os jurados ficaram pasmos pois a canção era complicada de se interpretar, mas elogiaram a coragem de Jorge.
Um pouco antes de soltar o som, em um lapso de segundos, passou um filme na cabeça do nervoso rapaz.
Humilde, vindo do interior, morador da casa do estudante, sempre batalhou muito para conseguir atingir seus objetivos. Fazia as cadeiras dos dois cursos que frequentava e ganhava uma bolsa auxílio que permitia pelo menos sanar suas necessidades básicas. Nada mais que isso.
Sempre que tinha alguma roda de amigos, ou uma festa, chamavam Jorge para cantar. Sua voz era grave, bonita e "macia" como diziam. Quem sabe um dia ele pudesse investir em aulas de canto para aprimorar e tal. 
Durante esse tempo que ele estava na cidade (quase dois anos) não perdia as apresentações públicas de música, fossem quais fossem. Se encantava muito especialmente com a música clássica, mas cantava qualquer tipo de canção.
Seus pais haviam morrido quando ele era pequeno e o menino Jorge tinha sido criado pela madrinha muito pobre e nunca abandonara a vontade de ir mais além. A sua tia e as amigas dela, costureiras duma fábrica de roupas, falavam que Jorge parecia uma uma lagarta, fechadão, ninguém podia encostar, até parecia meio antissocial. Na verdade, ele estudava em todo tempo livre que tinha e a fama veio daí. 
Quando completou 17 anos e acabou o ensino médio, de cara passou no ENEM para o curso de Letras que, instantaneamente começou a cursar. Devido à sua própria penúria ele foi aceito na casa do estudante na capital e recebeu o direito à bolsa integral. Um ano depois ingressou no curso de filosofia e agora fazia os dois ao mesmo tempo.
Obstinado, ele queria se tornar mariposa, não ser mais uma lagarta, como dizia sua tia. Cantava sempre que podia e um colega sugeriu que ele se inscrevesse para ser solista do concerto da universidade. Claro que estariam só os estudiosos e gabaritados concorrendo, gente muito boa, mas não havia pré-requisitos. Precisava apenas apresentar uma música. 
Escolheu "A Mariposa e a Penúria" porque tinha tudo a ver consigo mesmo e a dificuldade talvez elevasse um pouco sua nota.
Saiu do transe quando a música começou ecantou como se não houvesse amanhã. Quando acabou, os jurados aplaudiram em pé.
Os candidatos que já haviam se apresentado esperavam numa salinha adjacente. No final todos foram chamados ao palco e o júri falou um pouco de cada um. A maioria foi elogiada, mas Jorge foi mais ainda. Ele estava certo que conseguiria a vaga. Só que o escolhido foi outro. 
Saiu cabisbaixo, odiando ter tido aquela impressão de que estava com a vaga na mão... criar expectativas era uma droga. Quando estava fechando a porta alguém o chamou.
Era um dos jurados que também era dono de uma produtora musical. Ele disse que tinha ficado impressionado e que o papel para a peça seria pouco perto do que Jorge poderia alcançar com sua voz. Se ele topasse, poderia procurá-lo no dia seguinte, no endereço de sua produtora.
Resumo da ópera: hoje Jorge é um cantor e intérprete de alcance nacional, faz parceria com seu ídolo Pablo Klein e os dois deixaram de ser apenas lagartas, viraram mariposas dando risada da penúria que passaram outrora.


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