segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Odeio Bom dia!!!

Título sugerido: Elaine Leivas
Autoria do texto: Marilia Bavaresco

Cacilda era uma moça sorridente, daquelas que provavelmente já acordava cantando e dizendo "oi" para as borboletas na janela.
Tudo era extremamente positivo nela e quando perguntavam qual era seu livro preferido nem pestanejava: Pollyana.
Geralmente a moça ficava com as mesmas pessoas no intervalo do colégio: Rute, uma beata fervorosa e Ênio, um rapaz espinhento meio nerd que não se dava bem na aula de educação física.
Mesmo sendo considerados um grupinho desinteressante, Cacilda nunca perdia o bom humor. Quando chegava de manhã na aula fazia questão de dar um daqueles "Boooooom Diaaaaaa!!" para a turma. 
Ninguém respondia, alguns debochavam, mas Dora simplesmente explodia. Sentia que podia matar Cacilda com o olhar. Muitas vezes era expulsa da sala e levada ao diretor logo cedo por conta das respostas para Cacilda. 
Dora costumeiramente respondia quando interpelavam o motivo das explosões com a sua colega: "Odeio Bom Dia!!! Simplesmente odeio... e ela tem essa mania de vir de manhã, praticamente madrugada e gritar com aquele sorriso insuportável na cara aquele bom dia meloso e de três quilômetros de comprimento... ninguém merece!".
Num desses dias de rompante inflamado, Dora ainda arrematou: "aposto que ela faz de propósito só para me irritar".
O diretor, complacente, fez uma proposta a Dora. Se ela conseguisse provar de alguma maneira que Cacilda fazia aquele "bom dia" de propósito, ele nunca mais chamaria a atenção dela e chamaria Cacilda para ser explicar. Trato feito!
Dora saiu da sala do diretor imaginando que tinha se ferrado. Pensava: "desde que conheci a chatonilda da Cacilda há dois anos atrás, quando ela apareceu no seu colégio, nunca vi sequer um dia a criatura triste ou zangada. Seria impossível..." mas nesse exato mesmo momento ela vislumbrou lá embaixo a cena do trio esquisito e num lapso de segundo a fisionomia da colega-sempre-feliz estava estranha, com uma careta de raiva... só que tão logo percebeu que estava sendo observada, mudou o semblante para um alegre sorriso. 
Um calafrio passou pela coluna de Dora. "Que sensação estranha!", pensou ela.
Na hora da saída, percebeu que Cacilda ia a pé com os outros dois colegas. Dora se despediu dos amigos e começou a seguir cuidadosamente o trio. Dali até o seu destino eles haviam cumprimentado todo mundo com alegres "olá", "como vai"... irritantes demais para o mau humor de Dora. 
Ao virar na esquina ela viu que Cacilda, Enio e Rute entraram numa galeria escura, que era frequentada por alguns elementos meio barra pesada. Ela deu um tempo, respirou fundo e decidiu entrar. Eles já tinham descido a escada, estavam caminhando mais devagar. Foram em direção a uma porta que parecia trancada. Olhavam para os lados nervosos. Cacilda deu algumas batidinhas e a porta abriu. Entraram.
Sinistro!!!! O que uma menina tão doce e meiga como Cacilda parecia ser, faria num lugar horrendo daqueles. Agora o bichinho da curiosidade tinha mordido definitivamente Dora.
Ela foi até perto da porta e ali tinha apenas uma sigla: "CDICMHM" e embaixo: "bata três vezes".
Dora ficou receosa, mas bateu mesmo assim.
A porta se abriu, ela entrou. A penumbra era tanta que ela mal enxergava ao longe um final de túnel azulado. Caminhou em direção a luz. Ao entrar no ambiente as pessoas estavam sentadas de costa para a porta fazendo uma espécie de oração. Ela sentou numa cadeira vaga. 
Para sua surpresa a tal sigla que vira na porta queria dizer: "Confraria Da Irmandade Contra o Mau Humor Matinal." 
Então era isso... a danada da Cacilda fazia parte de uma seita. Devia ser um daqueles grupos de lavagem cerebral que fazia com que as pessoas evitassem maus pensamentos, fossem boazinhas e o escambau. 
Dora tirou uma foto sem flash para mostrar o tal letreiro para o diretor. Se levantou devagarinho e ia sair quando escutou uma voz horrenda: "Olá irmã Dora! Que bom que vieste nos visitar!". Um frio na barriga, um mal estar de quem foi pego em flagrante... ela foi virando devagarinho.
Agora todos estavam em pé e virados para ela... os rostos eram enrugados e flácidos, caídos e... para horror de Dora com dois chifrinhos. Então era isso! Era uma reunião de demônios. Durante as manhãs eles se transformavam em pessoas maravilhosamente felizes e alto astral, só para tirar a energia de quem não suportava gracinhas, especialmente antes do meio-dia. Esses demônios se alimentavam disso.
Bom, Dora nunca mais foi vista de mau humor depois daquilo.
Até os professores estranharam, mas ela agora é BFF da Cacilda e ambas chegam todo dia de manhã, para espanto e raiva dos colegas gritando felizes: "Boooooom Diaaaaaaaaaa!!!!!!!"...



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