segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Todas As Chances

Título sugerido por Isis Soledad. 
Texto redigido por Marilia Bavaresco. 


Nelson era um legítimo gardelón porque agia e se vestia como um cantor de tango argentino. Olhava as mulheres com olhar lânguido, meio de revesgueio como dizem os gaúchos.

Quando caminhava na rua, sempre estufava o peito, como se estivesse numa passarela desfilando sua grande figura. Nelson sentia-se o amante latino, o homem mais bonito do bairro Bela Vista. 
Na verdade era um aposentado de meia idade, solitário, que jamais conseguira conquistar Amália, sua eterna diva. Por causa deste amor não correspondido, nunca investira em outros relacionamentos. Levava mulheres para seu apartamento pequeno ricamente decorado com motivos portenhos. No dia seguinte as dispensava e nunca mais.
Amália estava casada há vários anos e depois de três filhos, um marido desleixado e uma vida de muito trabalho, ela não lembrava em nada a bela adolescente que roubara para sempre o coração do Nelson.
Quis o destino que eles jamais se encontrassem, mesmo morando em bairros próximos de Porto Alegre. Gardelon preferia o Parcão e Amália a Redenção.  Ele fazia compras sempre no Nacional da Encol; ela no Zaffari da Fernandes. Ele frequentava o Iguatemi e ela, quando podia ia pro shopping Total. Ele ia veranear em sua casa em Capão Novo; ela ia para Cidreira na casa de parentes, lá de vez em quando. Ele era aposentado da Receita Federal; ela era professora estadual do Julinho e dona de casa. Muito diferentes mesmo. 
Ele vivia solteiro, com um bom salário de aposentado, viajava bastante, tinha um carrão e plano de saúde. Estava bem conservado, fazia a unha e o cabelo e só usava terno mesmo para ir ao supermercado, como manda a cartilha do bom gardelón
Ela corria para cima e para baixo com o marido e os três filhos, de dezoito, dezessete e treze anos. Os meninos não eram exatamente uns anjinhos. Ia raramente ao salão e quase nunca comprava roupas pois sempre estava acima do peso, não tinha ânimo para se arrumar.
Numa sexta à tarde ensolarada, ela decidiu ir a pé ao Mercado Público. Estava com vontade de comprar peixe para fazer o almoço do domingo. 
A mesma ideia de Nelson. Ele compraria camarões. Como exímio cozinheiro que era, tinha vontade de testar uma nova receita.
Ela desceu do ônibus bem do lado do Mercado e ele estacionou o carro num dos prédios garagem ali por perto. 
Estavam os dois circulando, admirando as lojas, embriagados com aquele aroma específico do lugar. 
Ela decidiu, assim como ele, comer uma salada de frutas com sorvete na Banca 40 antes de fazer as compras.
Sentaram com apenas uma mesa separando os dois. Ela estava pensando nas notas baixas do filho mais novo. Ele pensava num terno que tinha visto no Iguatemi. Seus olhares se cruzaram no mesmo instante em que o garçom colocava a salada de frutas na mesa dela e a garçonete na mesa dele. 
Naquele segundo que durou uma eternidade, um filme passou pela cabeça de Nelson. Nas idealizações dele Amália ainda era aquela menina loirinha, linda, de olhos azuis. Era inacreditável, não podia ser a mesma pessoa!
Na cabeça dela passava um trailer: o garoto que ela dispensara na adolescência, menino metido trocado pelo nerd da sala. Era o mesmo, só grisalho. E continuava com aquele jeito... ela não sabia explicar. Só que agora não sentia repulsa. Ele até que estava bem sexy.
Os dois se cumprimentaram com a cabeça. Ele constrangido deixou metade de sua salada de frutas. Nem comprou os camarões. Ela comeu tudo, comprou os peixes, mas se sentiu envergonhada: ele estava bonitão e ela se sentindo um lixo. 
Nelson passou alguns dias enfurnado em casa. Dispensou alguns ternos, passou a usar mais camisetas, se vestir mais informalmente. Arranjou uma namorada poucos anos mais nova, que gostava das mesmas coisas que ele. Resolveram morar juntos no apartamento dela. 
Amália por sua vez, desde aquele dia passou a se arrumar melhor, a ir ao salão toda semana fazer a unha, ajeitou o cabelo, fez dieta, caminha todos os dias. O seu humor melhorou e o marido vendo isso resolveu acompanhar a mulher. Os filhos já não são a única prioridade do casal. 
Esses dias Amália e Nelson se reencontraram no show do Ivan Lins no Araújo Viana. Apresentaram seus respectivos. Nelson se admirou da beleza madura de Amália que estava escondida no dia do Mercado Público. 
Ele falou com ela enquanto os parceiros estavam distraídos.
- Como você está bem!
- Você também, mesmo sem terno. Aliás quero te agradecer. Naquele dia que te vi no Mercado me achei tão feia e desleixada que imediatamente resolvi melhorar. Foi uma chance que indiretamente você me deu.
O gardelón assumiu o controle e com aquele olhar que ele tinha usado tantas e tantas vezes sussurrou meloso no ouvido dela:
- Para você, todas as chances.
Os casais se separaram e a certeza dos dois era a mesma: há coisas que nunca mudam. 

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