quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Convivência Nas Ruas Com o Ser "Nada Humano"

Título sugerido por Alberto Tielka. 
Texto redigido por Marilia Bavaresco. 

"Muita paciência!" pensava ele naquela manhã abafada e chuvosa de segunda-feira. Saiu de carro sem café e atrasado para o trabalho. Ao chegar na esquina de casa, o motor parou. Esperou uma hora pelo socorro do seguro. Carro levado para oficina. 
Estava indo a pé para o ponto de táxi quando um ônibus passou numa das dezenas de poças d´água e ele tomou um banho de esgoto.
Resolveu ligar pro serviço para avisar o motivo do atraso. Telefone sem rede...nem dados. Quando largou no bolso, caiu no chão. Espatifou todo o aparelho.
Depois de juntar o que sobrou, avaliou que devia ir para casa. Ao chegar no seu prédio não encontrou sua chave e o porteiro não estava no seu posto. Chamou pelo interfone e a empregada não atendeu. Resolveu esperar algum vizinho sair para poder entrar. Depois de uns quinze minutos, uma senhorinha saiu para levar o cachorro para fora. Abriu o portão para ele e puxou papo lenga-lenga por uns dez minutos. Enquanto falava com a idosa o cachorro fez xixi na sua perna.
Subiu as escadas até o sétimo andar porque o elevador estava em manutenção. A empregada demorou uns vinte minutos até abrir a porta por conta do volume do rádio.
Tomou um banho de água fria porque não tinha gás, se vestiu e decidiu sair de novo rumo ao escritório.
Ao abrir a porta do apartamento o gato fugiu escada acima. Saiu atrás do gato até o último andar. Pegou o bichano, desceu e a porta estava fechada de novo, som a todo volume.
Quase espancou a porta mais uns quinze minutos até a empregada surpresa abrir para ele. 
Pegou suas coisas, fechou a porta, mas desta vez estava com a chave.
Ao sair da portaria do prédio, percebeu que a chuva passara e o sol estava
rachando. Começou a suar e ainda estava com o guarda-chuvas gigantesco na mão. Azar.
Continuou até o ponto de táxi. Não podia chamar Uber sem celular. No ponto um aviso: paralisação dos taxistas por tempo indeterminado em protesto contra o Uber e falta de segurança. Era o que faltava...
Foi até a avenida e pegou uma lotação. Não tinha lugar, o que não era permitido por lei, mas devido à falta de transporte nesse dia foi liberado. Os passageiros se apertando e um senhor com mau hálito bem na sua nuca. Impossível respirar. Desceu umas duas paradas antes do ponto desejado porque ia vomitar.
Meio zonzo foi caminhando em direção ao prédio onde ficava o escritório. Nada pior poderia acontecer... ou poderia?
Estava tão distraído que ao cruzar a rua transversal, uma van quase bateu nele
freando bruscamente. O motorista desceu injuriado, xingando e com um cassetete na mão. Gritava que a convivência nas ruas com o ser "nada humano" estava tirando a sua sanidade e batia com o cassetete no chão próximo a ele.
Neste momento tudo escureceu.
Acordou numa cama de hospital. Estava amarrado. 
Dias depois quando o efeito dos remédios amainou seu péssimo estado nervoso, ele lembrou o ocorrido: arrancara o cassetete do motorista indignado, bateu muito nele, tirou a própria roupa e correu pelado em meio ao trânsito. Chamaram a SAMU que o sedou, pois estava fora de si. Assim permaneceu desacordado por uma semana internado numa clínica psiquiátrica.
Ao sair após a alta, voltou para o serviço. Tinha virado "meme" na internet devido às filmagens dos transeuntes no fatídico dia do seu colapso nervoso. 
Seus colegas todos foram cumprimentá-lo, mostraram as dezenas de vídeos, recebeu ligações de canais sensacionalistas para entrevistas.
Pediu demissão na mesma semana, pegou a rescisão e foi viver na beira do mar, numa praia quase deserta. Virou pescador e vive sozinho... e feliz.





Um comentário:

  1. Perfeito Marília!
    Super legal!
    Mais alguns dias, "to indo morar na praia"...

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